Boletim de Notícias: Cadastre-se e receba gratuitamente

capa facebook

A comissão de inquérito que vai parir um rato*

Share on facebook
Share on whatsapp
Share on twitter

 

Por Rui Lamarques

 

Populismo é uma coisa terrível. Em relação aos Mambas dissemos a revolução de Argel apenas poderia gerar condições para prevenir actos futuros. Escrevemos, sobre o assunto, vários textos. Opinamos, com base em leitura de casos similares em outros quadrantes. Dissemos também que a comissão só poderia gerar recomendações, mas já tinha nascido desprovida de poder para fazer seja o que for. Alertamos ainda que as soluções estavam em confrontar a própria FMF com os seus estatutos e tudo que a lei prevê em termos de arbitragem desportiva. O último texto que escrevemos (17 de Fevereiro de 2023, Facebook) e que hoje partilhamos, foi deliberadamente ignorado em grupos de especialidade no que ao desporto diz respeito.

 

 

A FMF é a entidade nacional de administração do futebol, reconhecida internacionalmente pela FIFA, CAF e todas as demais entidades nacionais de administração do desporto, incluindo a SED. Trata-se de pessoa jurídica de direito privado constituída na forma de associação, de acordo com a legislação moçambicana e com a obrigação de respeitar as normas desportivas nacionais e internacionais. A FMF tem o respaldo da FIFA e da legislação moçambicana para administrar de forma única e exclusiva o exercício do futebol profissional nacional, contando com autonomia garantida constitucionalmente, tendo em vista o seu carácter associativo e, em especial, desportivo.

 

 

São atribuições da FMF, entre outras, administrar, dirigir, fiscalizar e disciplinar a prática do futebol, realizar e coordenar as competições nacionais, representar o futebol moçambicano em partidas oficiais e amistosas, cumprir e fazer cumprir as decisões e normas internacionais e aplicar sanções, no âmbito dos seus limites, aos infractores das normas previstas. Essas atribuições e competências estão elencadas no seu estatuto e na lei do desporto como normas obrigatórias para os fundadores da associação e todos aqueles que no futuro dela venham participar, sendo que a vontade dos novos membros se manifesta pela adesão à associação e aos regulamentos que a compõem.

 

 

Seguindo a exigência internacional, o que a SED ignora é que a FMF possui uma espécie de cláusula arbitral prevendo que, no que for compatível, as demandas deverão ser levadas aos tribunais arbitrais reconhecidos pela entidade e pela FIFA. Internamente, inclusive, possui – embora não funcionem – comités de resolução de litígios, com competência para decidir acerca das demandas levadas à sua jurisdição envolvendo jogadores, seus agentes oficiais e clubes.

 

Rui Lamarques, Jornalista

 

A Lei n.o 7/2022, no seu artigo 66, número 3, refere que “a constituição de Comissões de Ética Desportiva nas federações desportivas nacionais é de carácter obrigatório”. No artigo 67, alínea c, reconhece que, sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal, o poder disciplinar é detido pelas federações sobre “todas as pessoas que formam a sua estrutura orgânica, no âmbito da actividade desportiva, praticada sob a sua liderança ou organização”. A lei moçambicana acima citada garante a autonomia das entidades desportivas e dirigentes quanto à sua organização e funcionamento, bem como a condição de esgotamento das instâncias da justiça desportiva nos casos disciplinares referentes à admissão de demandas quando, no número 2 do artigo 67, dispõe que “o poder disciplinar atribui aos titulares a competência para investigar, aplicar sanções disciplinares e zelar pela observância dos estatutos ou regulamentos da respectiva modalidade”.

 

 

Embora a lei indique a Plenária de Justiça Desportiva como a mais alta instância de resolução de litígios resultantes da actividade desportiva, a mesma lei limita a sua intervenção no que aos assuntos de Argel diz respeito, pois ela mesma diz que “as decisões e deliberações sobre questões estritamente desportivas, que tenham por fundamento a violação de normas de natureza técnica ou de carácter disciplinar, não são susceptíveis de recurso fora das instâncias competentes da hierarquia associativa desportiva”.

 

 

Observa-se, então, que a FMF não se encontra fora dos limites da lei, pelo contrário, a mesma lei que concede a liberdade de organização e funcionamento, impõe os limites dentro dos quais tal direito deve ser exercido. O que se garante, portanto, é o exercício da autonomia associativa desportiva, na qual as associações, sejam elas de administração ou prática desportiva, irão exercer a auto-regulamentação, observando a legislação nacional e normas internacionais do desporto. Isto significa que estão esgotadas as soluções para resolver o problema de Argel?

 

 

Em Moçambique sim, pois a SED e a sua comissão só podem brincar de assinar senhas e tomar café. O próprio regulamento da FMF reconhece que a COSAFA, a CAF e a FIFA aceitam expressamente o disposto nos estatutos destas organizações em matéria de jurisdição e arbitragem desportiva. A propósito, as normas desportivas internacionais são previstas na legislação moçambicana na mais relevante lei sobre desporto. A lei nº 11/2002 de 12 de Março, revogada pela Lei n.o 7/2022 de 28 de Junho, já assinalava que a prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade, aceites pelas respectivas entidades nacionais de administração do desporto.

 

 

São as normas desportivas internacionais que regulamentam e limitam transferências, inscrições de jogadores e por aí em diante. São elas que, por si só ou orientando e limitando as internas, garantem – ou tentam – a estabilidade das competições, concedem direitos e impõem deveres às associações (sejam de prática ou administração), aos jogadores e agentes de jogadores. Inclusive, a justiça desportiva deve respeitar as normas internacionais, tanto quanto a legislação moçambicana. A inobservância destas normas pode levar à exclusão do infractor dos quadros nacionais e internacionais da prática desportiva.

 

 

Cada entidade de administração do desporto deve possuir o seu próprio Superior Tribunal de Justiça Desportiva, os seus respectivos Tribunais de Justiça Desportiva e comissões disciplinares. Entretanto, esses tribunais devem ser autónomos e independentes, com competência para processar e julgar as questões (disciplinares) previstas na prática desportiva.

 

 

Em relação à revolução de Argel, a FMF que nunca quis lutar para a criação dum Tribunal de Arbitragem Desportiva, não possui nenhum órgão que é autónomo e independente, com competência para processar e julgar as questões (disciplinares) com observância dos princípios da ampla defesa, celeridade, contraditório, economia processual, impessoalidade, independência, legalidade, moralidade, motivação, oficialidade, oralidade, proporcionalidade, publicidade, devido processo legal, tipicidade desportiva, prevalência, continuidade e estabilidade das competições e espírito desportivo. A solução para problemas futuros, como a polémica dos prémios de jogo, passa por levar os gestores da FMF aos órgãos da FIFA, pois ela como entidade que regula o desporto deve ter em conta que os prémios de jogo na selecção, embora não resultem duma imposição, devem ser negociados.

 

*Extraído da conta do Facebook do autor no dia 08 de Março de 2023

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Partilhar:
Share on facebook
Facebook
Share on twitter
Twitter
Share on linkedin
LinkedIn
Share on email
Email

| Leia mais

| Arquivo

Procurar por data