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Elites do governo e do poder judicial ficaram com o espaço

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Por CDD*

 

Antigos governantes, juízes conselheiros, mais um antigo PGR, ocuparam o espaço que outrora funcionou o Mercado de Peixe de Maputo. O espaço é reclamado pelos antigos vendedores que, durante mais de 35 anos, ocuparam por boa-fé e desenvolveram as suas actividades de venda de mariscos. O que esses coitados vendedores não sabem é que o espaço está nas mãos de figuras influentes nos corredores da justiça, pelo que qualquer batalha judicial está condenada ao fracasso.

 

A elite que está a desenvolver um projecto imobiliário (prédio para habitação e comércio) conta com a protecção do Município de Maputo, que por diversas vezes veio a público defender que não há lugar a compensações para os antigos vendedores. A Polícia, por sua vez, tem feito o seu máximo para impedir manifestações pacíficas dos antigos vendedores que reivindicam direitos adquiridos sobre o espaço.

 

No local onde durante décadas funcionou, em moldes informais, o Mercado de Peixe de Maputo, está a nascer um projecto imobiliário, cujas obras iniciaram em Maio de 2022 e terminam em Maio de 2024. O prédio habitacional e comercial, que fica a poucos metros da Marginal de Maputo, é detido pela Cooperativa Vila Praia, Lda, uma sociedade por quotas constituída em Maio de 2020, com um capital social de 500.000 Meticais.

 

 

A Cooperativa Vila Praia, Lda tem 10 sócios, cada um com uma participação equivalente a 50.000 Meticais. Se por um lado não constitui novidade que o espaço disputado pelos antigos vendedores tinha sido atribuído à elite da Frelimo, por outro não deixa de ser surpreendente a presença de antigos membros de Governo, juízes conselheiros (no activo e retirados), antigo Procurador-Geral da República e académicos na estrutura accionista da Cooperativa Vila Praia, Lda.

 

Na certidão emitida pela Conservatória de Registo das Entidades Legais constam nomes de Alberto Vaquina, antigo Primeiro-Ministro; Augusto Paulino, antigo Procurador-Geral da República; Ernesto Gove, antigo Governador do Banco de Moçambique; Jorge Ferrão, antigo Ministro da Educação e actual Reitor da Universidade Pedagógica de Maputo; MachatineMunguambe, antigo Presidente do Tribunal Administrativo; e Ozias Pondja, antigo Presidente do Tribunal Supremo e actual Juiz Conselheiro do Conselho Constitucional.

 

Conforme se pode notar, a Cooperativa Vila Praia resume a promiscuidade dos titulares de órgãos de soberania nos negócios. Estão reunidos numa única sociedade quatro titulares e antigos titulares de órgãos de soberania (Alberto Vaquina, Jorge Ferrão, MachatineMunguambe e Ozias Pondja). São estas figuras, incluindo Augusto Paulino (antigo PGR), que tornam a Cooperativa Vila Praia, Lda numa sociedade “blindada” contra qualquer acção ou disputa judicial.

 

Logo, é fácil concluir como irá terminar a luta dos vendedores do antigo Mercado de Peixe que hoje exigem compensações pela sua retirada para o novo Mercado de Peixe. Trata-se de homens e mulheres que durante mais de 35 anos ocuparam um espaço para a venda informal de mariscos. O então mercado “A Luta Continua” tornou-se uma referência na capital e mais tarde ficou conhecido pelo nome de Mercado de Peixe. Com vista a criar melhores condições para o tratamento, conservação e venda de mariscos, o Município de Maputo construiu um novo Mercado de Peixe, na Avenida da Marginal, com financiamento do Governo do Japão.

 

Todos os vendedores do antigo mercado foram transferidos, em 2016, para o novo Mercado de Peixe, onde desenvolvem as suas actividades em melhores condições. Sucede porém que os vendedores exigem compensações pela “expropriação” do espaço onde funcionava o antigo Mercado de Peixe. O espaço foi atribuído a uma elite que integra magistrados e governantes, mas os vendedores consideram-se legítimos proprietários.

 

Na verdade, uma das formas de aquisição do Direito de Uso e Aproveitamento de Terra (DUAT) é a ocupação por pessoas singulares nacionais que de boa-fé estejam a utilizar a terra há pelo menos 10 anos. Os antigos vendedores ocuparam o espaço por boa-fé e nele exerceram, de forma interrupta, as suas actividades por mais de 35 anos. A sua transferência para um novo mercado não deveria implicar, na sua óptica, a perda de direitos adquiridos sobre o espaço onde trabalhavam.

 

Entretanto, o Conselho Municipal de Maputo, na pessoa do seu Presidente Eneas Comiche, defende que não há lugar a pagamento de nenhuma compensação aos vendedores. Recorrendo à Postura Sobre Mercados e Feiras, Comiche deixou claro que a ocupação dos locais de venda nos mercados tem natureza precária, revertendo para o Município as benfeitorias efectuadas. “Por motivos de força maior, ou pela necessidade de execução de obras, o Conselho Municipal pode suspender as autorizações ou adjudicações efectuadas, sem direito a qualquer indemnização por parte dos vendedores”[1].

 

Contrariando os vendedores que reivindicam a titularidade do espaço, o edil da capital disse, numa sessão da Assembleia Municipal de Maputo, que o espaço pertence ao Município e que cabe a si determinar o destino a dar.“Durante o processo de integração no actual Mercado de Peixe, todos os vendedores assinaram o respectivo termo de entrega dos quiosques. Relativamente ao destino do espaço onde outrora funcionou o mercado a Luta Continua, entendemos que este é pertença do Conselho Municipal e cabia a esta instituição, determinar o destino a dar, seja para uso público, seja para uma parceria público-privada”[2].

 

E o destino determinado foi atribuir o espaço à Cooperativa Vila Praia, Lda, que está a desenvolver o projecto imobiliário denominado “AURA”, que consiste num edifício misto para habitação e comércio. Além de excluir o pagamento de compensações, o Município de Maputo e a Polícia da República de Moçambique (PRM) têm estado a inviabilizar o direito à manifestação por parte dos vendedores contestatários.

 

Por exemplo, no dia 17 de Agosto de 2022, a PRM, através da Unidade de IntervençãoRápida (UIR), impediu, de forma ilegal, uma manifestação dos vendedores do Mercado do Peixe. O grupo tinha comunicado ao Conselho Municipal de Maputo, no dia 04 de Agosto de 2022, da sua pretensão de sair à rua para manifestar contra aquilo que consideram uma injustiça. O Conselho Municipal não apresentou nenhuma objecção à realização da referida manifestação.

 

Nos termos da lei, a não notificação aos promotores no prazo de doisdias da decisão de proibição de realização da manifestação deve serconsiderada como não existência de qualquer objecção por parte das autoridades. Ou seja, o silêncio consubstancia um verdadeiro deferimentotácito. Entretanto, no dia e hora marcados, um contingente da UIR apareceu para impedir a realização da marcha, uma acção que constitui uma violação grave do direito à liberdade dereunião e manifestação consagrado na Constituição da República de Moçambique (CRM).

 

[1]https://evidencias.co.mz/2022/08/24/comiche-reitera-que-transferencia-de-vendedores-para-o-novo-mercado-de-peixe-nao-envolvia-o-pagamento-das-compensacoes%EF%BF%BC/

[2]https://evidencias.co.mz/2022/08/24/comiche-reitera-que-transferencia-de-vendedores-para-o-novo-mercado-de-peixe-nao-envolvia-o-pagamento-das-compensacoes%EF%BF%BC/

*Centro para a Democracia e Desenvolvimento

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