- Em causa as competências do Secretário do Estado e do Governador
- A instituição não tem gabinete de imprensa para falar com jornalistas
- A APIE tem uma nova directora que também não responde aos jornalistas
- Os processos estão a espera da lei de alienação de imóveis que está em revisão
- Ninguém conhece a avó Julieta no bairro de Minkadjuine, justifica o mesmo funcionário
Por CroJud
Um funcionário da Administração do Parque Imobiliário do Estado na Cidade de Maputo, que se identificou simplesmente pelo nome de Sitoe, afirmou num breve contacto com a nossa equipa de reportagem que o requerimento submetido pela avó Julieta, uma cidadã de 72 anos de idade, há sensivelmente dois anos, com vista a aquisição de um imóvel no qual reside há mais de 40 anos, faz parte de mais de 300 processos que se encontram pendentes e sem nenhuma solução à vista.
De acordo com o referido funcionário, afecto à secretaria da direcção da APIE na cidade de Maputo, os mais de 300 processos encontram-se alegadamente pendentes e sem nenhuma solução à vista desde a altura em que se criou a figura de Secretário de Estado na cidade de Maputo, cujas competências e atribuições se confundem com as do Governador, que era quem efectivamente respondia pelos processos de alienação de imóveis. “Esse requerimento da senhora Julieta Armando Cossa foi dirigido à então governadora da cidade e não ao Secretário do Estado”, disse ele.
Neste momento, segundo aquele funcionário, ainda não existe clareza sobre quem responde pelos processos de alienação de imóveis na cidade de Maputo, se é o governador ou é o Secretário do Estado, uma justificação que, entretanto, não faz muito sentido para que mais de 300 processos permaneçam pendentes e sem solução à vista, mas que a mesma faz parte de tantas outras justificações que já foram apresentadas pelos funcionários daquela instituição para não darem uma resposta formal clara, concreta, exacta e concisa sobre o mesmo problema, uma situação que esconde o cenário de boladas de imóveis assim como de corrupção, clientelismo, nepotismo, chantagem e extorsão.
Para além de se limitar a colocar em causa as competências e atribuições do Secretário de Estado/Governador no âmbito da tramitação dos processos inerentes à alienação de imóveis, aquele funcionário sénior da APIE disse que os sucessivos Pedidos de Informação submetidos pela revista online Crónica Jurídica & Judiciária há mais de seis meses ainda não foram respondidos formalmente e ao arrepio das leis do Direito à Informação e do Procedimento Administrativo alegadamente porque aquela instituição não tinha um director.
E quanto ao gabinete de imprensa? “Não temos gabinete de imprensa. Neste momento temos uma nova directora que está a se familiarizar com os processos, sobretudo esses mais de 300 que se encontram pendentes, uma vez que muita gente vem aqui mas não encontra nenhuma resposta”, referiu aquele homem atarefado, tendo falado dos problemas também da própria lei de venda de imóveis que se encontra em processo de revisão, segundo ele.
PRINCÍPIO DA CELERIDADE
Para tornar célere o processo de alienação de imóveis ainda sob gestão da Administração do Parque Imobiliário do Estado (APIE), o Conselho de Ministros determinou em 2017 que o processo de alienação de imóveis inicia na APIE, mediante o preenchimento, por parte do inquilino, de um formulário para a formalização da vontade, competindo a APIE a convocação do inquilino, a instrução do processo, o reconhecimento gratuito e o encaminhamento da documentação à Comissão de Avaliação e Alienação de Imóveis de Habitação da Cidade de Maputo e às Direcções Provinciais que superintendem a área da habitação. A referida documentação compreende um formulário, um contrato de arrendamento, o último recibo de renda e um comprovativo de que o inquilino é cidadão nacional.
O mesmo dispositivo refere que a Comissão de Avaliação e Alienação de Imóveis de Habitação da Cidade de Maputo e as Direcções Provinciais que superintendem a área da habitação devem avaliar o imóvel pretendido e autorizar a sua adjudicação no prazo de 15 dias, pelo que não se explica que os cidadãos fiquem sem qualquer resposta durante sensivelmente dois anos, tal como o caso da avó Julieta. É normal que a APIE fique mais de dois anos sem responder aos cidadãos que vão a instituição tratar as suas preocupações? Perguntamos ao funcionário atarefado, ao que respondeu: “Não é normal”.
Face à nossa insistência na questão concreta da avó Julieta, que o funcionário teria dito numa outra ocasião que enviou uma equipa mas nem o secretário do bairro de Minkadjuine nem o respectivo chefe de quarteirão a conhecem, o que os mesmos disseram à nossa reportagem que nunca foram contactados pela APIE, o mesmo funcionário disse que tal facto não corresponde a verdade e que podia provar com um documento mas não apresentou prova alguma, ficando o dito pelo não dito.
A TRISTE DOR DA AVÓ JULIETA
É com muita dor que a avó Julieta Armando Cossa conta as voltas que andou a dar com vista a ver resolvida a sua preocupação, uma vez que ela não tem dúvidas que tem o direito de que a casa lhe seja alienada pelo governo, dado que nela reside há mais de 40 anos e pagou toda a renda que tinha que pagar ao longo de todos estes anos, não percebendo muito bem porque razão é que mesmo depois de haver cumprido com todos os requisitos que lhe foram exigidos para que pudesse ser aceite o seu requerimento a resposta definitiva nunca lhe é dada por quem de direito.
A avó Julieta, como é carinhosamente tratada pelos mais próximos, tornou-se invisual há mais de 10 anos por motivos de doença, pelo que os seus dias são de enorme frustração e desespero, dada a situação em que se encontra, não sabendo se um dia terá o privilégio de ver o seu direito de adquirir o imóvel reconhecido pelas autoridades competentes. “Não gostaria de chegar ao fim dos meus dias e ter que morrer sem nunca ter tido uma resposta do governo”, declara a cidadã.
Para completar os requisitos com vista a que o seu requerimento fosse admitido pela APIE, a avó Julieta teve que andar de um lado para o outro a tratar outros tantos documentos que lhe foram exigidos, nomeadamente a Declaração do Bairro, o Número Único de Identificação Tributária (NUIT), o reconhecimento do requerimento pelo notário, os papéis da vistoria do imóvel para a compra e outros tantos.
“Eu andei muito, meu filho. E estou cansada. Todos os dias quando eu ou a minha filha vamos a APIE, nos dizem para voltar amanhã. Todos os dias, nos dizem a mesma coisa, assim já vamos chegar ao terceiro ano a irmos lá e não termos resposta”, disse, visivelmente entristecida.
Em conformidade com a lei, o Gabinete de Casas de Material Precário da Administração do Parque Imobiliário do Estado (APIE) – Direcção da Cidade, efectuou uma vistoria do imóvel no bairro de Minkadjuine, tendo a estrutura do bairro referido que “não há nenhuma inconveniência visto que a casa pertence a legítima dona acima descrita”, neste caso a avó Julieta.
As estruturas do bairro acrescentaram em forma de “informações pertinentes” que “a senhora Ana Maria Matimele é única filha”. O referido documento da vistoria do imóvel é datado de 21 de Julho de 2020 e a Brigada da APIE na vistoria foi constituída pelos senhores Fernando Francisco e Sabão Saia.
Neste processo, com o número 11952/2020, a avó Julieta é representada pela sua filha Ana Maria Castigo Matimele, cujo poder de representação foi devidamente reconhecido e carimbado pelos serviços de registo e notariado. CroJud